terça-feira, 15 de setembro de 2015

Percepção: a causa da singularidade


A imagem acima mostra uma casa. Uma casa que abriga cerca de 7 bilhões de seres humanos e uma infinidade de outros seres vivos, bem mais numerosos do que nós. Uma casa que só é vista de fora por alguns de seus moradores e por satélites como os que fizeram a imagem acima. Observar essa imagem é como mergulhar em uma vastidão de pensamentos e reflexões. Sobre a superfície desta casa celeste, atraídas pela força gravitacional, diversas formas de vida compartilham um espaço precioso. Embora vivam no mesmo mundo, as inúmeras espécies vivem em mundos diferentes. Talvez a frase anterior soe incoerente, ou pareça uma antítese sem fundamento, mas é totalmente plausível quando consideramos que cada uma das espécies percebe o mundo de maneira distinta. Você, um indivíduo saudável pertencente à espécie Homo sapiens, dispõe de uma maquinaria sensitiva incrível composta por visão, audição, paladar, olfato e somestesia. Esta última inclui o sentido do tato, a propriocepção (sua percepção no espaço), percepção de dor e de temperatura. A palavra-chave aqui é “percepção”, e precisamos entendê-la para prosseguir.  Nossos órgãos sensoriais detectam os estímulos do ambiente, e chamamos isso de sensação. Já a percepção consiste na interpretação a nível cortical desse estímulo sensorial que foi detectado pelo órgão em questão. Podemos tomar como exemplo a visão. Feixes de luz incidem sobre o olho e sofrem refração através do conjunto de lentes convergentes do globo ocular, a córnea e o cristalino. Essa chegada de luz ao órgão da visão é a sensação. No “fundo do olho”, isto é, na retina, há células fotorreceptoras, que recebem os estímulos luminosos e os convertem em impulsos elétricos que serão propagados, através do nervo óptico, ao córtex visual.  É no córtex que a percepção acontece. Dessa forma, podemos dizer que o olho nada enxerga, e sim o cérebro, que interpreta as informações vindas através da luz. O olho, sozinho, não é capaz de fazer com que um ser vivo veja o mundo. É por esse motivo que não é possível saber com precisão a forma como as outras espécies enxergam o ambiente que as cercam, visto que o estudo cerebral de seres incapazes de se expressar por meio da fala é muito limitado. Dei esse exemplo para termos em mente o conceito de “sensação” e de “percepção”. Cada órgão sensorial é uma porta para infinitos estímulos, que são percebidos de maneira distinta por cada espécie, e me arrisco a dizer que essa diferença se aplique também a cada indivíduo de uma mesma espécie.  Nós, humanos, temos como sentido predominante a visão. Somos seres visuais. Mas, mesmo assim, somos limitados quanto ao comprimento de onda que podemos enxergar, que varia entre 400 e 700nm. Há de se concordar que espécies capazes de ultrapassar tais comprimentos de onda percebam o mundo de maneira diferente da nossa. Agora, tendo em vista essa discrepância de percepções, considere, além da visão, todos os outros sentidos que citei. Pensando desta forma, a proposição de que o planeta mostrado acima é o mesmo para todos, mas ao mesmo tempo diferente, torna-se consistente e verdadeira. Nem todas as espécies dispõem de tantos sentidos como a nossa. Algumas possuem apenas um, ou então dois ou três, sejam eles muito ou pouco desenvolvidos. A quantidade de sentidos e os níveis de desenvolvimento dos órgãos sensoriais são fatores que influenciam na percepção do ambiente. Entre indivíduos da mesma espécie, pequenas alterações genéticas podem fazer com que um tenha a visão mais apurada, ou a audição menos desenvolvida do que outro, por exemplo. As pequenas mutações que tornam cada indivíduo único fazem com que suas respectivas percepções mundanas sejam diferentes. Se tratando de seres irracionais, a diferença que menciono fica estacionada no ponto de vista biológico. Mas, ao falarmos de seres detentores de consciência, como o Homem, a ideia de percepção ultrapassa os limites biológicos e sofre influências culturais e intelectuais. E é nesse ponto que entra a reflexão: a Terra é a mesma para todos os seres humanos, mas cada um tem sua própria maneira de percebê-la, seja por suas diferenças fisiológicas e/ou culturais. Ao olhar a imagem apresentada no início dessa postagem me deparei com alguns questionamentos: Será que o meu pensamento em relação a esse planeta é compartilhado por outros da minha espécie? Ou será que as minhas concepções são únicas, assim como o DNA presente em cada uma de minhas células? Mostre essa foto a um cristão, e ele dirá que está vendo uma obra de seu Deus. Aos olhos, ou melhor, ao cérebro de um geógrafo, passará uma série de informações acerca da geologia, continentes, fusos horários, e conceitos que dão sentido à sua profissão e vida. Se você apresentar a mesma imagem a um sociólogo, ele logo pensará nas diversas culturas e etnias que dominam os continentes e em teorias que expliquem a forma com que as sociedades se relacionam. Um historiador pensará nas guerras travadas durante anos, na forma com que a política foi conduzida e como as civilizações se formaram e mudaram ao longo do tempo. Para um químico, a Terra é um berço de elementos combinados, moléculas, átomos, matéria orgânica e inorgânica, um planeta que une condições preciosas para a permanência da vida. Para um astrônomo ou astrofísico, não passa de mais um dentre tantos planetas que orbitam uma estrela, dentre tantas estrelas nesta galáxia, dentre tantas galáxias que existem neste Universo. Para uma criança, parece uma bola de futebol. Para um sensacionalista, uma montagem feita pela NASA. Para um biólogo, essa imagem representa a oportunidade que a vida teve de surgir e tem de evoluir. Para um poeta, o lar dos pensadores. Já para um matemático, uma grande esfera, fonte de fórmulas, estatísticas. Para um homem humilde, a prova de que somos pequenos demais. Para mim, uma casa rara, abrigo abundante de vida, palco das incríveis pressões evolutivas, um pequeno ponto do Universo compartilhado por tantos seres e que nunca será percebido em sua totalidade, visto que temos capacidade fisiológica e cognitiva limitada. Pude concluir, a partir disso, que a etnia que você possui, a tribo da qual você faz parte, os valores que você adquiriu ao longo da vida e seus conhecimentos a respeito do mundo à sua volta, tudo isso está incluso em um conjunto de fatores que fazem de você um ser único, assim como sua molécula de DNA, repleta de genes que codificam informações a respeito dos seus órgãos sensoriais e do resto de seu organismo. Portanto, existem dois fatos que tornam um ser humano singular entre os demais de sua espécie: o primeiro é sua percepção biológica, aquela que depende do seu código genético, dos seus órgãos sensoriais que, por minimamente diferentes que sejam, geram uma distinta percepção de mundo em cada indivíduo. As diferentes percepções biológicas ocorrem entre as demais espécies da Terra, visto que cada uma difere entre si da sua maneira, assim como cada indivíduo da mesma espécie se distingue do outro. Esta percepção, portanto, não é exclusividade humana. Mas, ao mesmo tempo, torna cada ser humano único. O segundo fato é a percepção cultural, isto é, aquela que une seus conhecimentos e hábitos ao longo da vida, tornando você um ser crítico que busca um significado próprio para cada objeto a qual é submetido ter contato por meio de sensações. As percepções culturais, ao contrário das biológicas, são exclusividade humana. Devido a nossa capacidade cognitiva e autoconsciência, nos distinguimos das outras espécies por moldar o mundo de acordo com nossas convicções, crenças e interesses. As duas percepções que citei, biológica e cultural, são de fato o que nos torna únicos. Entre elas, aparecem semelhanças. Biologicamente, você tem em comum com outro ser humano aproximadamente 99,9% do seu DNA, isso significa que há diferenças minúsculas e irrelevantes entre os seus órgãos sensoriais e os de um chinês a milhas de distância. Culturalmente, as semelhanças aparecem em menor número se usarmos o exemplo do brasileiro e do chinês. Eles se distinguem na fala, no modo como se vestem, na maneira de pensar, entre outros aspectos numerosos. Porém, se compararmos alguém da mesma etnia e da mesma tribo, como um grupo de físicos brasileiros por exemplo, veremos que suas percepções mundanas são bem semelhantes. É esse brilhante jogo de percepções culturais que faz com que mesmo gêmeos monozigóticos, detentores do mesmo genoma, sejam indivíduos com percepções de mundo diferentes, compartilhando algumas eventuais semelhanças caso vivam no mesmo ambiente. Nesse momento, peço ao leitor que retorne a imagem e diga o que ela representa em suas compreensões. Através de uma imagem como esta, podemos ver o quão particulares somos e como a nossa personalidade é estampada até no mais simples dos questionamentos. Usufruindo de uma licença poética da qual não possuo, tomo a liberdade de criar uma definição metafórica para a nossa espécie: O ser humano é uma singularidade no meio de um plural sem fim.

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